quarta-feira, 5 de maio de 2010

Reflexões sobre Duchamp - Jasper Johns, 1969

Jasper Johns retoma seu debate anterior sobre Duchamp, presente em seu texto “Marcel Duchamp (1997-1968)”, de 1968, em que já enunciava sua abordagem artística distinta, a qual estabelecia porosidades entre as esferas da linguagem, pensamento e visão, com desdobramentos para diversas manifestações artísticas posteriores.

“Suas referências cruzadas de visão e pensamento, o foco cambiante de olhos e mente, deram um sentido renovado ao tempo e ao espaço que ocupamos, negaram qualquer preocupação com a arte como arrebatamento. Nenhum fim está previsto nesse fragmento de uma nova perspectiva” (Johns, 204).

Duchamp teria sido pioneiro na abordagem contemporânea da arte, através da diluição das fronteiras entre artista e espectador. A partir de suas propostas, houve o enfraquecimento do controle da produção estética ou artística por parte do artista, e conseqüente participação cada vez maior do espectador.

“O readymade foi movido mentalmente, e, depois, fisicamente, para um lugar ocupado previamente pela obra-de-arte. As conseqüências desse simples rearranjo provavelmente ainda não se esgotaram” (Johns, 209).

Outro aspecto marcante em suas proposições é a presença de uma nova abordagem espaço-temporal; a dimensão da duração, do processo começa a se manifestar. A arte passou a se recolocar como proposição aberta, inacabada; o processo tornou-se mais relevante do que a vontade final do artista. Para tanto, jogos e alternâncias entre estático e móvel, expressando a preocupação com os desdobramentos temporais da obra, de mostram presentes em diversas de suas propostas.

“Ele foi o primeiro a ver ou dizer que o artista não tem total controle das virtudes estéticas de sua obra, que outros contribuem para a determinação da qualidade. Ele parecia imaginar a obra de arte como envolvida em uma espécie de reação em cadeia até que fosse, de algum modo, capturada ou parada, fixada pelo ‘veredicto final’ da posteridade” (Johns, 208).

Talvez uma das mais controversas questões levantadas por Duchamp tenha sido postar uma dúvida sobre o que definiria uma obra de arte, de modo a abalar as bases que fundamentavam uma tradição artística consolidada – o que foi possível, por exemplo, por meio do uso que faz dos readymades. Isto envolvia, por conseguinte, contestar e alterar as definições usuais de objeto (artístico), artista e espectador, o que não significava, necessariamente, instaurar novos conceitos e convenções, mas sim deixar um campo em aberto para outras percepções. Talvez por isso mesmo, sua própria postura se mostrava tampouco conclusiva, tendendo mais para uma ironia ou deboche, sem aparentar muita seriedade, sem se importar com possíveis ambigüidades presentes em seu discurso, e, até mesmo, sem chegar a se afirmar, em definitivo, como artista.

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